25 de abril de 2012

O PALHAÇO



Um homem acorda certo dia de manhã e percebe que sua vida está incompleta. É uma revelação avassaladora, afinal, estamos diante de uma pessoa infeliz. Infeliz e consciente, o que agrava sua condição. Ele não tem esposa ou filhos. Sente um enorme vazio. Estaria insatisfeito com sua profissão? Com suas decisões?

Esta é a espinha dorsal de O Palhaço (idem), a poética e mais recente obra de Selton Mello. Poderíamos estar à frente de um advogado, de um médico, de um policial. Mas trata-se de um palhaço, um homem cujo objetivo e provocar risadas e distribuir alegria.

O quê o aflige? Sua profissão? A maneira como ele a exerce? A estranheza de sua vida pessoal? O conflito entre a alegria do público e a tristeza da solidão?

Embarcamos em um ensaio sobre os conflitos internos de um personagem, que poderia simbolizar eu ou você, em uma jornada por pequenas cidades escondidas no mapa. Pequenas a ponto de a chegada de um circo ser motivo de celebração por parte das crianças. Pequenas a ponto de criar uma conexão entre a esperança e o alívio diante de uma população acostumada à rotina e distante das engrenagens de um mundo moderno e por muitas vezes corrompido.

A fotografia adquire um ar nostálgico que se assemelha à estranheza deste palhaço que, por condição pessoal, não consegue esboçar um sorriso fora das tendas. Nem mesmo de alívio.

Às vezes precisamos dar uma volta completa em torno de nós mesmos para descobrir onde estamos ou de onde viemos.

Os mambembes, em sua eterna e ininterrupta viagem, conflitam com a artificialidade que Mello dá a Valdemar (o palhaço) nesta primeira instância. Ele destoa do grupo. Mas o que parece falta de caracterização torna-se uma espécie de imposição à realidade vivida, como a do personagem de Peter Sellers em Muito Além do Jardim (being there). O trabalho de integração surge de dentro para fora. É brusco, mas sutil. A realidade abrange e junto com ela a espontaneidade que, afinal, rege praticamente toda forma de comédia. O vazio é preenchido, ou compreendido. O mundo das coisas desaparece dando lugar ao universo das sensações.

Ao final, nenhuma profissão ou talento revelam-se completas quando dissonantes com aquilo que nos define por essência: nós mesmos. Qualquer ação que tomamos define, por si, uma extensão de nossos desejos. O ser humano não é movido pela razão, é movido pela vontade.

Quando Valdemar encontra este equilíbrio, percebe que sua tristeza provia do fato de que a beleza de fazer o público sorrir de nada vale quando não conseguimos alcançar este mesmo feito perante as pessoas que nós amamos. Que simbolizam, afinal, o que construímos e o que somos.

Para nossa sorte, Selton Mello alcança o mesmo objetivo como artista.

Só para finalizar. Lembram-se da música do Soundgarden comentada algumas colunas atrás? Live To Rise? Abaixo deixo o link da versão na íntegra, como prometido.

http://www.youtube.com/watch?v=9318WhMQr18

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