29 de março de 2012

LIVE TO RISE


 
Pioneiro no cenário musical de Seattle, que viria a conquistar o mundo com o nome grunge, o Soundgarden, ao lado do Green River (que depois tornaria-se, com mudanças, o Mudhoney), abriu espaço para um movimento de proporções globais.

No início dos anos 90, o mundo voltava a ser do rock`n roll.

Apesar de ter sido a primeira a assinar com uma gravadora grande, foi a última a ter um disco no mainstream. Antes do sucesso, quando apenas o Alice in Chains era visível  nas rádios norte americanas, o projeto Temple of the Dog, uma homenagem a Andrew Wood, falecido líder do Mother Love Bone e amigo pessoal de Chris Cornell, introduzia Eddie Vedder dividindo os vocais de Hunger Strike. Ele que depois, como todo mundo sabe, tornaria-se vocalista do fenômeno Pearl Jam.

Aliás, Stone Gossard e Jeff Ament, principais compositores do Pearl Jam, faziam parte do Mother Love Bone e, anteriormente, também do Green River. Assim, em Temple of the Dog, foram apresentados a Eddie Vedder.

O Nirvana surgiu com Nevermind, o grunge explodiu, todos eles venderam milhões de álbuns, saíram em turnês mundo afora e, tão rápido como veio, o movimento se foi.

Kurt Cobain cometeu suicídio, alguns anos depois Layne Staley foi encontrado morto em seu apartamento e, em 1997, o Soundgarden anunciou seu fim. Muito devido à megalomania de Chris Cornell.

A intensidade e ferocidade do grunge contrastavam com uma melancolia e sentimentos de desespero que nunca encontraram sua razão de ser.

Em 2010, uma banda chamada Nude Dragons tornou-se figura carimbada em festivais. Qual não foi a surpresa do público ao descobrir que Nude Dragons é, na realidade, um anagrama de Soundgarden.

O Alice in Chains estava de volta, o Stone Temple Pilots e o Smashing Pumpkins também. Dentro desta onda nostálgica, Chris Cornell e companhia retornavam ao meio musical.

Tudo bem. São muitos nomes, muita história para se contar em poucas linhas, mas o quê tudo isso tem a ver com cinema?

Quase nada, é bem verdade. A curiosidade aqui é que uma música inédita do Soundgarden (eles devem lançar um disco novo ainda em 2012 após 15 anos de inatividade) está disponível em um teaser do filme Os vingadores (the avengers).

São apenas 22 segundos, mas já dá para criar expectativas sobre o que estaria por vir.

Live to Rise apresenta apenas uma introdução instrumental, ainda sem a voz enfurecida de Chris Cornell, mas os fãs vão atrás, tenho certeza, e eu deixo o link abaixo.

Ao final, nada disso tem muito a ver com cinema.  O fato é que Os vingadores será pauta de discussão futura e espero que até lá a versão intregral da nova música já esteja disponível.

Quanto à expectativa sobre esta junção do Homem de ferro, Hulk, Thor, Capitão América e o ainda inédito nos cinemas Hawkeye... Bem, esta é obscura. Mas com Soundgarden como trilha de fundo, dá prazer de assitir, até mesmo de olhos fechados.

Segue abaixo também o link do trailer.





28 de março de 2012

HISTÓRIAS CRUZADAS


 
Jackson, Mississipi, década de 60. A guerra do Vietnã e a luta pelos direitos civis tornam a América do norte um cenário nebuloso da transição de uma mentalidade ultrapassada para uma nova geração bastante contraditória e questionadora. Hippies, beatniks, macartistas, comunistas, socialistas, democratas, republicanos... O combate intelectual e espiritual mostra-se ainda mais intenso que os campos de batalha regados a drogas, torturas e loucura.

No sul dos EUA, no entanto, a vida segue de forma curiosa, como em um conto de fadas alucinado, narrado de uma maneira surrealista e linear. Afro-descendentes e caucasianos (apenas para ser politicamente correto) estão claramente divididos entre propriedades e proprietários. Existem entradas especiais para os negros e lugares separados no ônibus, entre outros tantos detalhes bastante óbvios que, curiosamente, teimam em aparecer de tempos em tempos, inexplicavelmente.

Apesar da violência física não ser tão explícita, salário mínimo e benefícios são negados, por lei, para a classe “de cor”, localizada em uma região própria, longe dos olhos brancos da sociedade.

É quando entra em cena Skeeter Phelan (Emma Stone). Skeeter simboliza a evolução da mentalidade humana, a comprovação da importância social da mulher. Solteira, empregada, inconformada com uma rotina cercada por festas beneficentes e reuniões superficiais. Ela busca algo mais que um casamento e uma vida confortável em clubes campestres.

Depois de passar quatro anos fora do estado cursando a universidade de jornalismo, Skeeter percebe o quanto sua cidade natal estagnou-se em seus próprios vícios e como suas amigas de adolescência tornaram-se o símbolo de toda sua repulsa pela velha América.

É quando ela decide entrevistar todas as babás, empregadas domésticas e cozinheiras, no intuito de publicar um livro narrando o contraste entre a luta pelos direitos civis e o regime de semi-escravidão que vivem os negros neste pedaço do sul do país.

Obviamente, problemas surgem e a trama se desenrola.

Histórias cruzadas (the help) não é uma crítica profunda à psique da sociedade norte americana. A intenção do diretor não é a de se aprofundar nesta ferida antiga que teima em não cicatrizar. Não existe violência visual. O debate aberto procura se focar neste grupo de mulheres que desafia a lei e o ódio social à procura de uma alternativa, ou de plantar uma única semente que possa dar início a uma revolução, por menor que seja.

Não é um grande filme, mas é interessante, o que já o faz maior e melhor que muita coisa produzida nos últimos anos.

Talvez a ausência de imagens chocantes seja uma forma de introduzir à juventude uma questão que está longe de ser resolvida: a questão cultural. Como é difícil livrar-se de uma mentalidade que se baseia em um alicerce construído e semeado pela ignorância durante séculos. É parte do sangue de uma civilização, de sua estrutura genética.

Mais do que isso, é um filme que vai além do preconceito racial. Ele propõe-se também a relevar, sob diversos aspectos, o papel da mulher na sociedade moderna. Outro assunto que está longe de encontrar seu desfecho.

No final, às vezes de forma ingênua, às vezes de forma errônea e por outras com extrema sensibilidade, o elenco femino é tão sincero e tão intenso que nos permite indagar se de fato existe uma linha tão clara entre ficção e realidade.

Como combater um ódio que ultrapassa barreiras em busca de uma vingança contra um instinto que se origina de nossos medos mais íntimos?

27 de março de 2012

TO ROME WITH LOVE


No dia 20 de Abril, em Roma na Itália, Woody Allen irá apresentar seu mais novo filme intitulado To Rome with love (“Para Roma com amor” em uma tradução livre), o que dispensa explicações do local escolhido para a pré-estréia. O título, que já havia recebido pelo menos menos dois nomes diferentes, deve ser mantido e dá continuidade à fase européia do realizador.

Tivemos os ingleses Match point - ponto final (match point), Scoop - o grande furo (scoop), O sonho de Cassandra (Cassandra`s dream) e Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (you will meet a tall dark stranger), a poesia espanhola Vicky Cristina Barcelona (idem) e o ápice de sua inspiração no velho continente com Meia-noite em Paris (midnight in Paris), que se passa, obviamente, na França e que lhe rendeu o Oscar de roteiro original.

Existem alguns pontos interessantes em To Rome with love que podem aumentar as expectativas dos fãs do cinema ácido e autoral de Woody Allen.

O primeiro deles é que ele não apenas escreve e dirige, mas volta a estar à frente das câmeras. Por muitas vezes seu personagem, o hilário judeu novaiorquino neurótico, foi interpretado por, digamos assim, um alter ego. Diversos atores foram utilizados: Kenneth Branagh, John Cusak, Will Ferrell, Larry David e mais recentemente Owen Wilson.

É compreensível, já que aos 76 anos de idade as possibilidades ficam suspensas. Dificíl imaginar que, por exemplo, no mais recente Meia noite em Paris, o protagonista pudesse ser um escritor idoso. Não faria sentido.

O segundo fato curioso é que Roberto Benigni, o fantástico comediante responsável por A vida é bela (la vita è bella) e O monstro (il mostro), está no elenco. Ele que, anos atrás, foi chamado de "Woody Allen italiano".

Mas o ponto mais importante a ser destacado é que To Rome with love é uma comédia. Gênero que resultou as maiores obras do cineasta e também onde ele se sente mais à vontade para escrever, dirigir e atuar.

Finalizando minhas expectativas pessoais, o elenco jovial encabeçado por Ellen Page (Juno) e Jesse Eisenberg (A rede social) se contrapõe à experiência de Penélope Cruz e Alec Baldwin, ator pouco badalado em Hollywood até descobrir seu talento no mundo da comédia.

Não existem trailers, imagens, e mesmo as sinopses postadas na net mostram-se conflitantes. O fato é que Woody Allen é um ícone do cinema mundial e é sempre um deleite vê-lo, mesmo que muito longe de Nova Iorque, sua verdadeira paixão e inspiração.

26 de março de 2012

TÃO FORTE E TÃO PERTO


Os ataques ocorridos ao World Trade Center no dia 11 de Setembro de 2001 não podem ser comparados ao holocausto, à bomba de Hiroshima ou aos atos criminosos cometidos pelo regime comunista na extinta União Soviética. Por quê então esta tragédia causou um impacto de tamanha intensidade?

Obviamente, foi o símbolo máximo do capitalismo e da hegemonia econômica norte americana que tombou ante aos pés de uma população que apenas assistia à espera do desfecho inevitável. Foi um ataque, não somente a um país, a uma ideologia, a uma política, mas também à tão sonhada e celebrada terra da liberdade.

Mas aqui, há algo maior. Nunca uma tragédia havia sido manipulada ao vivo pela mídia de forma tão sensacionalista. De longe, em diversos prédios espalhados pela região, dezenas de milhares de pessoas viam as torres em chamas. A fumaça densa, a movimentação da polícia, das ambulâncias, dos bombeiros. Em paralelo, milhões assistiam pela televisão e puderam ver, em tempo real, o segundo avião chocando-se e revelando que, afinal, era tudo real. Ocorreram telefonemas de dentro dos escritórios. Pessoas desesperadas tentando entrar em contato com seus familiares para dar um adeus. Tudo foi visto, repetido, gravado e analisado como se não passasse de um devaneio, de pura ficção.

Isso explica porque nunca uma obra cinematográfica foi a fundo neste evento. Como competir com as imagens reais? Com a expressão de desespero da população? Com a correria, os gritos e os prédios explodindo e tombando sobre o centro de Manhattan? O único filme que conseguiu ir além das imagens foi Fahrenheit 9/11 (idem) de Michael Moore, mas estamos falando de um documentário. A sétima arte jamais teria forças suficientes para competir com um evento tão forte e tão perto.

Este é, aliás, o nome da obra a ser comentada. Baseada no livro de Jonathan Safran Foer, Tão forte e tão perto (extremely loud & incredibly close) caminha neste campo minado que é o famoso September eleven. Na verdade, este marco na história norte americana é apenas pano de fundo para que conheçamos Oskar Schell, um garoto que sofre da síndrome de Asperger e que perdeu seu pai, na ocasião, em uma reunião no World Trade Center. Para quem não conhece, a síndrome de Asperger é uma espécie de autismo, onde seus portadores têm enorme dificuldade de interação social, raciocínio extremamente lógico, comportamento obsessivo, repetitivo e uma memória numérica extraordinária.

Oskar é filho de Thomas (Tom Hanks), um joalheiro que o vê além da síndrome. Ele foca nos aspectos positivos do garoto e o faz explorar seus medos e suas virtudes de uma forma bem humorada, carinhosa e descontraída. O relacionamento dos dois é de uma intensidade rara. Após a morte do pai, a estrutura familiar simplesmente entra em ruínas. Tanto Linda (Sandra Bullock), esposa de Thomas, quanto Oskar, vêem o alicerce de sua felicidade partir. Oskar guarda as mensagens gravadas na secretária eletrônica no dia do falecimento do pai. São seis gravações que intensificam-se uma a uma, até que Thomas percebe o inevitável e desespera-se do outro lado da linha. Oskar escuta as mensagens diariamente imortalizando seu martírio. É quando, por um mero acidente, o garoto encontra uma chave dentro de um envelope com o nome Black escrito em azul. Inconsolável, vê-se diante de um objetivo: procurar a fechadura. Esta fechadura abrirá uma porta e ele então terá uma resposta, um sentido para o ocorrido com o pai.

Oskar vai atrás de todas as pessoas cujo sobrenome Black ele encontra na lista telefônica. O garoto inicia uma jornada que, na verdade, é puramente simbólica. Assim como em A invenção de Hugo Cabret (Hugo), a chave tem apenas um objetivo: abrir e libertar seu coração de toda dor. Em meio a seu caminho, ele conhece o personagem aqui chamado de O inquilino, interpretado de forma magistral por Max Von Sydow. Mudo, ele comunica-se com o garoto escrevendo em um papel. Em um curioso momento, Oskar diz uma frase que resume basicamente como anda sua vida: "Apesar de você não falar, esta é a única conversa real que eu tive com alguém em muito tempo".

O filme desenrola-se e muitas surpresas acontecem. Principalmente quando Linda torna-se o foco da narrativa. Desta forma o filme, o que não parece a princípio, torna-se uma jornada de auto descobrimento para que ocorra a criação de um elo de afetividade entre mãe e filho, duas almas separadas por um abismo de emoções.

Termina a sessão.

Dezenas de mulheres enxugam suas lágrimas, alguns homens levantam-se sorrindo, outros estão claramente emocionados. E aí é que está o problema. O filme de Stephen Daldry desperta sentimentalismo, mas não sentimento. Existe uma grande diferença entre os dois. Sentimentalismo é o reencontro dos amantes em Titanic (idem), sentimento é o arrepio da sequência final de Um sonho de liberdade (the Shawshank redemption). O primeiro envelhece e é esquecido com o tempo, o segundo permanece imutável.

A habilidade do diretor em criar belas imagens e de utilizar a montagem e os cenários a favor da história é bastante clara. Infelizmente, tudo não passa de uma sucessão de clichês. Em um determinado momento, incoscientemente, é possível prever cada passo da história, pois tudo já foi visto, mais de uma vez. É fato que o trabalho com os atores é louvável, em especial com Thomas Horn que dá vida a Oskar. Mas é necessário mais que boas atuações para construir uma obra consistente.

Identificar o objetivo do filme e o que move os personagens é bastante fácil, difícil é criar uma identidade, uma conexão com tudo o que ocorre.

Ao final, Tão forte e tão perto é apenas um devaneio vago, que poderia ser definido pela perplexidade da população de Nova Iorque no dia 11/09/2001. Ninguém sabia como definir seus sentimentos, como reagir, o quê fazer. É compreensível. O que não é compreensível é utilizar a sétima arte para uma análise tão rasa e descompromissada e mostrar-se inferior à própria mídia, que nunca teve o compromisso de nos fazer pensar.

Uma pena.  

25 de março de 2012

JOGOS VORAZES


A Lionsgate conseguiu. Com o episódio final da saga Crepúsculo (twilight) anuncido para o dia 16 de Novembro deste ano, a produtora precisava de um novo trunfo para manter-se à frente nas bilheterias norte americanas. Jogos vorazes (the hunger games) foi a solução.

A trama se passa em um futuro pós-apocalíptico sem data definida. Após a destruição da América do Norte, uma nova nação chamada Panem emerge no local. Panem é dividida em 13 distritos e controlada por uma central conhecida como Capital. Um destes distritos rebela-se diante da nova instituição totalitária e é destruído. Para evitar novos confrontos, um jogo anual é desenvolvido com o intuito de saciar o sadismo da população. Seria uma espécie de Big Brother com uma diferença simples: os competidores lutam pela própria sobrevivência. São selecionados dois jovens de cada distrito, um homem e uma mulher de idade entre doze e dezoito anos, que terão de batalhar em uma arena até restar apenas um sobrevivente.

A história parte do ponto de vista de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), uma garota orfã de pai que vive no distrito mais pobre e sustenta sua família caçando animais de forma ilegal ao lado de seu amigo Gale. Quando sua irmã mais nova é escolhida para participar dos jogos, Katniss assume seu lugar, oferecendo-se para entrar na arena.

Os jogos têm início.

O filme é baseado no best-seller de Suzanne Collins, que já foi traduzido para mais de 25 idiomas e distribuído em quase 40 países. Na verdade, Jogos vorazes é apenas a primeira parte de uma trilogia que se completa com Em chamas (catching fire) e A esperança (mockingjay). Somados, os três volumes já venderam mais de 30 milhões de cópias ao redor do mundo.

No cinema, a história não foi diferente. Apenas no final de semana de estréia e somando somente a bilheteria norte americana, a super produção faturou mais de 150 milhões de dólares. O filme já detém um recorde: a maior vendagem antecipada de ingressos via internet. Mas do que isso, o site IMDB registrou uma reação positiva por cerca de 80% do público, bastante diferente dos menos de 50% da saga Crepúsculo.

Um novo filão foi encontrado, que deve se manter nas próximas sequências. Para quem gosta do gênero, uma produção menor de 2007 chamada Os condenados (the condemned) já havia explorado uma situação parecida. Na trama, dez detentos condenados à pena de morte se degladiavam em uma ilha isolada. Tudo era transmitido ao vivo pela internet.

Apenas como curiosidade, os fãs de O senhor dos anéis (the lord of the rings) também têm motivos para comemorar, já que O hobbit (the hobbit; an unexpected journey) já está com data marcada para estrear (dia 21 de Dezembro deste ano). Basta saber quando, e como, a epopéia Harry Potter receberá seu substituo, se é que algum dia terá um.


22 de março de 2012

OS DESCENDENTES



Havaí. O quê surge em sua mente ao ler esta palavra? Um sol morno, quente, relaxante, refletido pelos finos e brancos grãos de areia e pelo mar translúcido dobrando-se aos pés dos surfistas de plantão. Quiosques, piña-coladas ao entardecer, garotas dançando hulas ao redor das fogueira em brasas. É. Talvez para quem planeja visitar um cartão-postal, parece uma imagem adequada. Como é o Cristo de braços abertos sobre a cidade maravilhosa, ou as nuances de marrom e vermelho no Grande Cânion.

Sobre este pedaço de paraíso, no entanto, padecem os mesmos seres humanos que vemos por aqui. Pessoas como eu e você. Atendentes de pet-shops tosando poodles barulhentos, caixas de supermercados que gritam por gerentes para que cancelem algum item passado por engano, manobristas encaixando carros em espaços milimétricos. Enfim. Bem-vindo ao Havaí.

O diretor Alexander Payne segue um caminho semelhante a Sideways – entre umas e outras (sideways), onde utiliza o cenário para refletir as inseguranças e a beleza de seus personagens.

Matt King, interpretado de forma que somente George Clooney seria capaz, é um endinheirado advogado. Pai ausente, marido desinteressado. Um clichê ambulante. Vive, no entanto, um momento delicado de sua vida: precisa decidir para quem vender os 35 mil acres restantes de terras virgens de uma das ilhas, pertencentes à sua família desde o século XIX e passados de geração para geração. Esta venda, que estende-se há anos, está muito próxima de ser concluída. Em paralelo, sua esposa sofre um grave acidente de barco e entra em coma profundo. King vê-se diante de sua filha de 10 anos, a qual lhe parece uma total estranha. A situação se agrava quando os médicos dizem não haver mais nada a ser feito por sua esposa. Praticante de esportes radicais, ela havia deixado um documento pedindo a doação de seus órgãos e o desligamento dos aparelhos caso sofresse um acidente e fosse mantida viva por aparelhos, como um vegetal. Desnorteado, ele decide buscar sua filha de dezessete anos que está estudando em uma instituição especial para adolescentes recorrentes em problemas com drogas e álcool.

Família reunida, é hora de avisar familiares distantes e amigos, um a um, para que tenham a oportunidade de se despedir. É quando King descobre que sua esposa tem um amante. Mais do que isso: que estava disposta a pedir o divórcio pouco antes do acidente. O homem arrependido, perdido em juras de amor recitadas para o vazio, abre espaço para o homem amargurado e ressentido. Remoído em auto-piedade.

Enlouquecido, decide procurar e conversar com o citado amante, no intuito de dar-lhe a chance de se despedir. A complexidade de suas a ações revelam um homem de uma bondade inquestionável, que deixa aflorar o que há de melhor em si e seguir em frente. Não começar do zero, mas tentar reconstruir o que ruiu nos anos que passaram.

A questão que o realizador põe em xeque é bastante simples: como decidir algo de forma racional? Sim. Somos animais racionais. Mas acima de tudo, somos animais passionais. Tudo o que decidimos, todas as atitudes que tomamos ao longo de nossas vidas, reflete nossos desejos, nossos medos, nossos pequenos momentos de felicidade.

Como bem disse o mestre Oogway de Kung-fu Panda (idem): “Às vezes encontramos nosso destino tomando um caminho para evitá-lo”. E é isso que acontece a King. Teria ele tomado a decisão certa? Talvez se vivêssemos em um mundo onde não fosse tudo dividido entre o certo e o errado, as coisas pudessem ser melhores e mais claras.

21 de março de 2012

THE MASTER


Pupilo de Robert Altman, Paul Thomas Anderson é um dos realizadores mais respeitados do cinema nos dias de hoje. Desde que Boogie nights - prazer sem limites (boogie nights) foi indicado ao Oscar em três categorias (incluindo melhor roteiro original para Anderson), o jovem cineasta, ainda com 28 anos, recebeu atenção da crítica e foi tema de colunas e discussões ao redor do mundo.

Não somente pelo conteúdo, mas principalmente pela qualidade plástica visual bastante rebuscada. Anderson demonstra um controle raro e uma visão minuciosa de todos os frames, corte a corte, e em todos os movimentos, mesmo os mais sutis.

Sangue negro (there will be blood) é de uma maturidade assustadora, provavelmente a obra mais poderosa do cinema norte americano deste início de milênio. Mas, ao contrário de seu mentor, Anderson filma com longos intervalos. Foram três anos entre o vencedor de Cannes Magnólia (magnolia) e Embriagado de amor (punch-drunk love), cinco até Sangue negro e outros cinco de espera para seu trabalho mais recente, ao menos, é o que tudo indica.

The master, possivelmente um nome provisório, finalmente dá indícios de que será finalizado ainda este ano. O projeto, que encontrou diversos problemas na captação de verbas, quase foi abandonado até que a produtora Annapurna Pictures assumiu o comando. Hoje, o filme encontra-se no estágio de pós-produção.

Fosse um diretor diferente, alguma data já teria sido estipulada para seu lançamento, mas Paul Thomas Anderson provavelmente reserva muito de si para o processo de montagem e finalização. Assim como Stanley Kubrick, a minuciosidade do diretor é tamanha que às vezes passam-se dias até que um único corte seja realizado. Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead e compositor da trilha magistral de Sangue negro, é novamente convocado, aumentando o entusiasmo geral e as possibilidades.

Obviamente, a expectativa é tão grande quanto a obsessão de Anderson. As notícias sobre o lançamento e um primeiro trailer ainda são escassas, mas podemos especular que algo grandioso surge no horizonte de Hollywood. Principalmente pelo elenco que engloba Philip Seymour Hoffman e Joaquin Phoenix, desaparecido das telas desde que iniciou o ousado projeto do falso documentário I`m still here (tema para um debate futuro).

Altman ficaria orgulhoso. Afinal, se Paul Thomas Anderson mantiver seus passos, certamente será ainda maior que seu mentor, fazendo valer o velho ditado chinês: "Fraco é o aluno que não supera o mestre".

20 de março de 2012

ON THE ROAD


On the road de Jack Kerouac definiu para o mundo a filosofia da geração beat, formada por uma grande parcela da população norte americana inconformada com a posição do país em um sentido político e também espiritual. Posteriormente conhecidos como beatniks e precursores do movimento hippie, eram representados, principalmente, por Kerouac, pelo poeta Allen Ginsberg e por William S. Borroughs, escritor da novela psicodélica The naked lunch, adaptada para os cinemas pelas mãos de David Cronenberg.

Um dos protagonistas de On the road, Dean Moriarty, tornou-se o primeiro grande anti-herói da literatura em larga escala, quando em paralelo James Dean e Marlon Brando representavam sua rebeldia nas telas dos cinemas. Dean Moriarty que é, na realidade, o nome fictício do escritor Neal Cassady, grande companheiro de aventuras de Kerouac.

Para sua primeira edição, On the road exigiu severas modificações que perduraram até pouco tempo, quando o manuscrito original afinal foi publicado. Apesar de alterado em seu lançamento e perdendo parte de sua narativa selvagem e do ímpeto do escritor, o livro modificou a mentalidade de toda uma geração de artistas, entre eles, Bob Dylan, John Lennon e Pete Townshend, apenas para citar o mundo da música.

Curiosamente, coube a Walter Salles o desafio de tornar esta epopéia prosa contínua em um filme. O produtor, ninguém menos que Francis Ford Coppola, talvez o maior representante da contracultura no mundo da sétima arte, confiou ao brasileiro a tarefa de transcrever para o universo das imagens as delusões e devaneios de Kerouac durante sua jornada pelas terras áridas e esquecidas em meio ao sonho americano. Os nomes fictícios foram mantidos, assim Kerouac é Sal Paradise, Neal Cassady é Dean Moriarty e William S. Borroughs é Old Bull Lee.

Recentemente o primeiro trailer foi disponibilizado na web (e também nos cinemas norte americanos) e funciona como uma prévia do que estaria por vir. O fator de curiosidade é que On the road funciona como uma espécie de espelho, onde o leitor reflete seus medos, inseguranças, desejos e pensamentos desconexos conforme as linhas se desenrolam.

Desta forma a decepção pode ser grande ao visualizar uma imagem que em nada se parece com a que foi desenvolvida em nosso íntimo durante a leitura. Acredito que a melhor maneira de combater este preconceito é analisar a obra de Walter Salles pelo que é: um filme. Uma forma de linguagem muito distante da literatura, mesmo que em determinados momentos estas artes em tanto se assemelhem.


THE DARK KNIGHT RISES


No início dos anos 90 a indústria das histórias em quadrinhos, principalmente a dos super heróis, vivia uma delicada crise. Por esta razão, roteiristas movimentaram-se no intuito de criar novas tendências e atrair novos leitores. No universo DC, a idéia foi bastante clara: destruir seus principais personagens. Foi nesta vertente que surgiu “A morte do Super-homem”, a troca do Lanterna Verde e a mão amputada de Aquaman.

Com Batman não foi diferente. A saga “A queda do morcego” introduzia um novo personagem. Bane foi condenado à prisão perpétua antes mesmo de seu nascimento. Ele deveria pagar pelos crimes de seu pai, um guerrilheiro revolucionário da República Caribenha. A história apresentava um lado místico onde Bane, ainda jovem, vagava por mundos imaginários à busca do demônio-morcego. O monstro simbolizava a barreira entre o rapaz e o ser superior que ele viria a se tornar. Foi dentro desta mesma prisão que Bane descobriu a existência de Batman e o homem-morcego tornou-se o demônio-morcego de seus sonhos.
Bane escapa, destrói Batman em corpo e espírito e o joga em uma cadeira de rodas. Também de forma mística, Batman se recupera e reenfrenta Bane. Diversas tramas paralelas ocorrem e Gotham City ganha mais um vilão e mais possibilidades.

Curiosamente o personagem já havia sido apresentado de forma patética no não menos patético Batman & Robin (idem) de Joel Schumacher. Este, que foi a principal razão para futuros projetos de Batman serem devidamente abandonados.

O tempo passou, surgiu Christopher Nolan, surgiu Batman begins (idem) e o assombroso sucesso de O cavaleiro das trevas (the dark knight). A indústria queria mais, o publico queria mais, mas Nolan estava indeciso. São duas as razões para a demora do novo projeto. A primeira delas, é o medo de fracassar, de não estar à altura de sua própria criação. O cavaleiro das trevas elevou o universo dos super-heróis a um novo patamar nos cinemas, além de ter sido a maior bilheteria no gênero. A segunda razão é o falecimento de Heath Ledger, o Coringa, o mais recente e importante ícone pop deste início de milênio. Nolan, contrariado, seguiu em frente.

E Bane foi sua inspiração, seu ponto de partida para o final desta saga. Se O cavaleiro das trevas mostrou possibilidades novas, como a de transformar um filme de heróis encapuzados em um thriller policial sério, Bane eleva ainda mais o contexto. O personagem é um terrorista anárquico, sem roupas espalhafatosas e sem visuais de passarela.

As informações ainda são vagas e as pistas confusas, o marketing viral nos leva a conclusões precipitadas e levanta uma série de dúvidas.
Abaixo, vou deixar o link do site oficial para os mais curiosos. Existem diversos outros videos e bootlegs no youtube. Alguns raros (e provavelmente gravados por smartphones) são da apresentação de nove minutos feita por Nolan para uma platéia privada, outros são apenas piadas de internautas. As verdadeiras respostas, no entanto, serão dadas no dia 19 de Julho, lançamento oficial de The dark knight rises.
Divirtam-se.





16 de março de 2012

O ARTISTA



Retroceder na era da tecnologia é o mesmo que assinar um atestado de suicídio a curto prazo. Imagine sua vida sem celular e internet, apenas para citar o que há de mais básico nos dias de hoje.

Esta é a proposta que nos apresenta O artista (the artist), grande vencedor do Oscar 2012. Voltamos à era do cinema preto e branco, do cinema mudo. Mudo, mas não surdo, já que suas imagens vêm acompanhada da trilha sonora de Ludovic Bource que presta uma belíssima homenagem a diversos outros temas, todos clássicos dos primórdios da sétima arte.

O diretor Michel Hazanavicius apresenta uma linguagem desconhecida para toda uma geração que nem mesmo consegue trabalhar sem escutar música, ou sem comunicar-se por diversos aparatos tecnológicos. Uma geração acostumada a ter tudo entregue em mãos, dissecado e descrito da forma mais simples e direta possível. Deste ponto de vista, O artista é um interessante exercício de observação e dedução, que se torna mais agradável com o passar dos minutos. Aqui, é necessário interpretar as reações, os sorrisos, os olhares, os movimentos. A dupla de protagonistas está à altura do desafio. Na verdade, o resultado seria catastrófico se não estivesse.

Assim como em Cantando na chuva (singin` in the rain) e Crepúsculo dos Deuses (sunset blvd.), a trama, como se resume a própria história da humanidade, nos apresenta o dilema sobre a adaptação, palavra que há muito substituiu o que antes costumávamos chamar de evolução. George Valentin (Jean Dujardin) é um ícone do cinema. Um galã à moda antiga. Talentoso, versátil, expressivo e dono de uma beleza capaz de levar as fãs à loucura. Suas fotos são capazes de roubar, inclusive, as próprias críticas a respeito dos filmes que protagoniza. Em paralelo à sua vida de luxo e glamour, Valentin não percebe a chegada do som e de como a novidade atrai multidões, pouco interessada em conteúdo, querendo apenas saborear a novidade. Cético, resolve investir seu próprio dinheiro em um projeto pessoal. O resultado é um fracasso e o resto de seus bens se esvai com o crack da bola em 1929. Falido e esquecido, entrega-se às bebidas e é ajudado, sem saber disso, pela mais nova musa do cinema. Peppy Miller (Bérénice Bejo) não apenas sente-se grata por ele ter, em um passado próximo, alavancado sua carreira, como retém em si uma paixão incontrolável.

Seguem-se reviravoltas, descobertas, desilusão. Enfim, uma estrutura narrativa com todos os altos e baixos necessários. O fator mais curioso, é que sua conclusão é o resultado de uma tendência que é sucesso até os dias de hoje. A redenção não vem apenas do esforço e da ajuda, mas da criatividade e da reestruturação pessoal.

Poderíamos passar horas e mais horas nos deliciando com as referêcias e exaltando a bela homenagem que a obra de fato representa. Mas neste instante, procuro levantar um ponto. O artista limita-se apenas a ser uma homenagem ao cinema mudo (a todo ele) ou procura ir além? Existe aqui a ousadia de comprovar que há na arte moderna a capacidade de esvair-se de toda a tecnologia e mesmo assim triunfar? À beira do mundo imerso na terceira dimensão, poderíamos nós abdicar de todos os recursos e prevalecer apenas com o mínimo de alternativas? Contando apenas com a sagacidade, a genialidade e, principalmente, a simplicidade?

Difícil saber. Dificilmente o próprio realizador prestaria-se a responder esta pergunta. Não existe em O artista o ritmo de um Eisenstein, nem o clima fantástico de um Murnau, nem o extraordinário de Carlitos/Chaplin. Verdade. Mas eu acredito que, independente da resposta, é um filme que merece ser visto. Mesmo que seja apenas para associá-lo a um momento em que o ápice de uma arte culminava para abrir espaço a outra. Como sempre foi e sempre será.

9 de março de 2012

A ÁRVORE DA VIDA



Esta foi uma coluna publicada alguns meses atrás na Revista Circuito. Como eu estou disposto a analisar todos os nove indicados ao Oscar principal nas próximas semanas, A árvore da vida me parece uma obrigação, já que foi lançado ainda em meados de 2011 e praticamente todos os críticos deram sua opinião durante esse tempo. A minha, em nada se alterou nesses meses. Logo, acho que posso publicar este texto sem medo de que envelheça.

Divirtam-se.

Existem dezenas, talvez uma centena de razões para o público criar uma empatia extrema com a mais recente obra de terrence Malick.

E essa empatia tem início muito antes do término de seus 139 minutos de duração.

A árvore da vida é uma poesia em tempos de prosa. É completa em tempos de coesão. É paciente em tempos de imediatez. É a origem em tempos de conclusão. Não é a direção contrária, mas uma perspectiva totalmente diferenciada enviada a uma geração acostumada a um mundo construído. A um mundo planejado. Um mundo manipulado. Engana-se quem a considera uma obra sem início, meio e fim. O início é o nascimento, o meio, o crescimento e o fim, a morte. Que é, afinal, o único e verdadeiro fim. Pelo menos para aquilo que entendemos como vida.

É curioso considerar que a principal razão do descaso de diversos críticos e da maioria do público é a falta de enredo. Da ausência de uma história ou de uma linha narrativa em particular. Refletindo calmamente, e durante a sessão temos todo o tempo e referências visuais para isso, eu cheguei a uma conclusão diferente: existe uma linha narrativa em nossa vida? Uma sequência lógica de acontecimentos? Uma razão ou um sentido, por mais ínfimo que seja? Provavelmente sim. Muitos. Diversos. Infinitos. E o que há de mais infinito que o próprio nada? A ausência? O não? Isso não significa impor um raciocínio pessimista ou negativo. Significa simplificar e entender que talvez a razão, o sentido, seja ele próprio. Apenas ser. Viver e seguir em frente. Falecer e criar espaço para os que estão, para os que virão e para aqueles que ainda serão.

E não é essa a única forma de seguir em frente? O nascimento, o crescimento e a morte? Acostumados a uma infinidade de informações por segundo, talvez nosso cérebro e nossos sentidos tenham acobertado o que há de mais humano em nós mesmos: aceitar. Não esmorecer, não ir ao encontro da morte. Mas entender que este caminho é único, sendo assim, estamos todos juntos, conectados de alguma forma, como o próprio Malick já havia ensaiado em Além da linha vermelha.

Existem dezenas, talvez uma centena de razões para o público criar uma empatia extrema com a mais recente obra de Terrence Malick. Por essas mesmas razões, eu a considero especial.

2 de março de 2012

MONEYBALL



Billy Beane está sentado em meio à arquibancada do Oakland A`s. Os holofotes estão apagados e somente um leve facho de luz branca ilumina parte do cenário. Beane está sozinho, cercado por cinquenta mil assentos vazios. Em um dos corredores, um funcionário do turno da noite assiste ao jogo em uma velha televisão portátil, semelhante às que vemos com frequência nas guaritas dos porteiros.

O Oakland perde uma partida decisiva em meio aos playoffs. A feição de Beane resume tudo o que precisamos saber. É necessário um nível de habilidade incomum para dizer tanto mostrando tão pouco. Em meio a inserts de imagens reais da partida, a introdução nos lembra a velha lição deixada pelo gênio Hitchcock: atenha-se ao que realmente importa em uma história. Não perca o foco em busca de belas imagens. Se a situação está por demasiado complicada, volte umas etapas e resolva da forma mais simples possível.


Bennett Miller aprendeu essa lição. Com louvor, diga-se de passagem. Veja só o quanto sabemos, com tão pouco. Aliás, tudo é feito de forma cirúrgica. O espectador não percebe que já sabe tudo o que precisa: Beane trabalha no Oakland. Está à vontade, logo, é alguém do alto escalão. Tão alto, que pode se dar ao luxo de nem mesmo acompanhar as partidas. Mas ele sofre. Mais do que qualquer outro, o que demonstra um comprometimento que pode fugir à razão. É a paixão inexplicável ao esporte. Mas a análise vai além. Beane está só. Perdido em meio às cadeiras vazias. É uma alma solitária. Mais do que isso: alguém que abandonou e foi abandonado. Uma voz calada que nem mesmo ecoa no vazio. É necessário que se explique que Billy Beane existe. Não é apenas um personagem criado para uma ficção. Beane é o general manager do Oakland A`s, uma tradução livre para “gerente geral”. Seria algo semelhante, em linguagem compreensível para quem não é fã de baseball, um diretor de futebol. Alguém responsável pela decisão final em determinado departamento. No caso: a contratação de jogadores.


Não é a primeira vez que Miller depara-se com uma história real. Seu filme anterior, Capote (idem), narrava um momento específico da vida do escritor Truman Capote. É claro que estamos falando de personalidades bem diferentes. Capote foi quase um pop star da literatura norte americana durante anos. Principalmente após seu livro Breakfast at Tiffany`s ser adaptado ao cinema  (em português recebeu o título de Bonequinha de Luxo) e tornar-se um sucesso estrondoso. Capote aparecia com frequência na televisão e nos jornais. Extrovertido, bem relacionado, em nada se compara com Beane. São preparações diferentes, métodos opostos por parte dos atores.

Philip Seymour Hoffman precisou imitar os trejeitos do escritor. Sua voz, seus tiques. Um trabalho de disciplina e paciência. Brad Pitt, brilhante no papel de Beane, procurou criar uma personalidade de dentro para fora. E o trabalho pode ser comparado ao próprio drama do personagem, que vive um relacionamento de conflito com seus príncipios pessoais. Ainda jovem, dias após ser aceito na universidade de Stanford, Beane foi procurado por olheiros do New York Mets. Era tido como uma grande promessa. Fracassou, como tantos outros. Seguiu em frente. Saiu do campo e foi para a administração do Oakland A`s, time que se aposentou como jogador. Para Beane, a realidade do esporte está estagnada.


A mentalidade daqueles que um dia viram nele o talento de um grande jogador foi passada de geração para geração. E hoje ele trabalha com pessoas que seguem o mesmo método que jamais previu o enorme fracasso que ele próprio seria. E ainda hoje, é neles que ele deve confiar. A situação torna-se ainda mais delicada quando as três grandes revelações de seu clube são vendidas e ele vê-se diante de um orçamento mínimo para montar uma equipe competitiva. É quando ele conhece Peter Brand. Interpretado de maneira surpreendente pelo comediante juvenil Jonah Hill, Brand é a figura que representa o oposto de tudo o que acreditam os homens dedicados ao esporte.

É aquele que não apenas apresenta diferentes respostas, mas também procura diferentes perguntas: “Nós estamos fazendo as perguntas erradas”. Beane tem um estalo. Uma nova perspectiva. Um avalanche cerebral posiciona-se para um local onde ele não conhece, mas que sempre esteve lá, apenas aguardando. Seria possível quebrar o maior dos dogmas? O romantismo do baseball? Seria possível montar uma equipe baseada em números, estatísticas e cruzamento de informações? Deixar de lado a análise visual, o palpite e a intuição? Parece um caminho contrário ao do ser humano, um caminho em direção à máquina. E aqui, surge o talento máximo de Miller e que poucos críticos souberam enxergá-lo: o realizador é de uma humanidade rara.

Não existe nada mais autômato que ficar preso em seus próprios vícios.A humanidade transborda. Os homens não temem a morte do romantismo, temem o futuro de seus empregos. Se esta for a nova fórmula, onde estarão eles daqui alguns anos? Em paralelo, um pouco do que é discutido em O artista (the artist): o que será daquelas que não se adaptarem aos novos tempos? Beane, em seu íntimo, também tem seus medos: “Meu ódio quando eu perco é maior que minha felicidade quando eu ganho”. Mas ele é o homem que faz acontecer e que mantém-se fiel à sua lógica. À princípio, a fórmula é um grande fracasso. Com o tempo, no entanto, os resultados aparecem.


O Oakland bate o recorde de vitórias consecutivas e chega, com um investimento pelo menos seis vezes menor que o de seus adversários, aos playoffs. Onde perde, novamente. Beane está inconsolável. Teria sido tudo em vão? Eis que surge Brand, para lhe mostrar uma jogada que ele gravou algumas semanas atrás. No vídeo, um jogador obeso, eu diria, prepara-se para rebater. Nunca em sua carreiar ele tentou correr até a segunda base, mas nesse dia as coisas serão diferentes. Ele rebate e corre. Pisa na primeira base e ao deslocar o corpo para iniciar a corrida para a segunda base cai e rola sobre a areia.
Como diz o próprio Brand: “Seus piores pesadelos tornam-se realidade”.


Ele arrasta-se e consegue voltar para a primeira base. Eis que um segundo jogador se aproxima, com um grande sorriso no rosto, e pede para que ele se levante e siga em frente. A bola foi rebatida para a arquibancada, ele conseguiu um home run. O jogador estava tão ansioso devido ao medo da corrida para a segunda base, que não percebeu que já havia feito o ponto antes mesmo de começar a correr. Às vezes, só temos uma noção exata da dimensão do que fizemos algum tempo depois.

Eis que, no final das contas, o romantismo está onde sempre esteve: dentro do campo. Beane segue em frente no Oakland. Como diz a própria legenda final: “Até hoje ele espera pela última vitória”.

Talvez Beane, sentado sozinho em meio a um estádio vazio, seja a imagem perfeita para definir que alguma pessoas sempre serão solitárias. Que talvez seu objetivo seja outro, incompreensível para os demais.


Na última sequência, Beane está sentado em seu carro, escutando uma canção que sua filha compôs. Põe-se a chorar. Existe algo além do baseball, afinal.