4 de abril de 2012

MEIA-NOITE EM PARIS


 
A única ocasião em que Woody Allen compareceu à cerimônia do Oscar ocorreu em 2002. Somavam-se pouco mais de cinco meses dos atentados de 11 de Setembro e ninguém expressa a cidade de Nova Iorque tão bem quanto ele. Poderíamos, talvez, colocar Lou Reed no mesmo patamar, mas na festa que se considera uma celebração do cinema, não teria sentido chamar o líder do extinto Velvet Underground.

Ele subiu no palco, fez um excelente número de stand-up comedy (o qual alguns brasileiros que se consideram engraçados deveriam se espelhar) e foi embora. Era ele mesmo. Idêntico ao personagem que criou e que, hoje, ingressa em sua quinta década de vida.

Curiosamente, Woody Allen recebeu quatro estatuetas em sua carreira. Uma, inclusive, neste ano, pelo filme que tratarei a seguir. Mas a única vez que esteve diante da platéia formada por membros da Academia e convidados, foi para fazer um número. Faz sentido. Afinal, iniciou sua carreira criando gags e apresentando-se ao vivo. Foi uma homenagem dentro de outra homenagem, uma espécie de metalinguagem espontânea. Não deixa de ser um aspecto interessante.

Woody Allen dizia que não comparecia à cerimônia (foi indicado 23 vezes nestes mais de quarenta anos de carreira cinematográfica) pois às Segundas-feiras apresentava-se com sua banda de jazz. O Oscar modificou sua data para Domingo, ele continuou ausente. Pode um realizador ser tão autêntico? A maior festa do cinema, a máquina de dinheiro que é o Oscar, a cerimônia vista por mais de um bilhão de pessoas mundo afora mudou sua rotina, ele não.

Woody Allen pode não ser o mais importante e nem mesmo o mais talentoso realizador do cinema norte americano. Orson Welles, John Ford, John Huston, Billy Wilder, Alfred Hitchcok, Stanley Kubrick, John Cassavetes, entre outros, mudaram o rumo da sétima arte. Da forma de se pensar à frente e por trás das câmeras. Cineastas que se reinventavam, quebravam dogmas, questionavam, faziam tudo à sua maneira. No entanto, todos eles, em algum momento, cederam à pressão na perspectiva de alcançar algo maior. Eu faço o que os estúdios me pedem hoje e revoluciono amanhã.

Não Woody Allen.

Apesar de mirrado, de ter um aspecto engraçado e ser, comprovadamente, tão neurótico na vida real quanto é o seu personagem nas telas, ele simplesmente fez e faz tudo o que quer, da forma que quer e no tempo que quer. É o paraíso do cinema autoral encarnado.

Sendo assim, é uma supresa que Meia-noite em Paris (midnight in Paris) tenha feito tanto sucesso. Este filme é um resumo de tudo o que Woody Allen produz desde que lhe deram o primeiro cheque para iniciar as filmagens de Um assaltante bem trapalhão (take the money and run), primeiro longa-metragem de sua carreira.

De lá para cá, realizou praticamente um filme por ano, quase todos tratando das neuras da clase média novaiorquina que, obviamente, abrange todas as grandes metrópoles, de qualquer ponto no mapa.

Seu humor é implacável.

É louvável que, no meio da uma era extremamente veloz, ele consiga encontrar os principais nichos sociais e tirar sarro, sem demonstrar nenhuma piedade. Mesmo utilizando a mesma linguagem, basicamente os mesmos personagens e situações quase idênticas, ele se reiventa nos diálogos. É um gênio da escrita, ninguém, desenvolve estes diálogos como ele.

Meia-noite em Paris é um exemplo deste cinema agradável e pouco preocupado com convenções ou com qualquer conexão com a realidade.

Owen Wilson é Gil, um bem sucedido roteirista de Hollywood que vive uma fase de intensa frustração. A razão de sua infelicidade é justamente o seu reconhecimento como escritor. Gil escreve histórias rasas, entretenimento para as massas, filmes que têm o intuito único de fazer muito dinheiro. Amante da literatura clássica, ele vê-se cada vez mais distante do sonho de tornar-se um Dostoiévski e daí vem o seu vazio.

Sua noiva Inez (Rachel McAdams) é uma socialite típica frequentadora de shoppings e seus sogros são típicos norte americanos que não compram carros importados e não gostam de filmes legendados. Clichês sociais.

Gil e Inez viajam para Paris. Lá, ele imagina, irá conseguir encontrar a inspiração necessária para desenvolver um livro o qual está se dedicando arduamente, mas que encontra-se estacionado, resultado de um bloqueio mental.

Entre figuras engraçadas e curiosas como a guia de um museu e um pedante amigo de Inez que não consegue finalizar uma sentença sem mencionar seu conhecimento sobre absolutamente tudo o que existe, Gil vê-se sozinho caminhando pela cidade. É noite, ele está embriagado e perdido.

Surge então um carro.

Seria algo comum, não fosse um modelo clássico dos anos 20. Intacto. O motorista convida Gil para uma festa. Sem entender a situação, ele entra e segue em frente. Inicia-se então a parte surreal que delicia tanto no aspecto visual, quanto na trilha sonora. Gil viaja no tempo e vê-se diante de Gertrude Stein, John Fitzgerald, Ernest Hemingway, Cole Porter... O que ele julgava, em seu íntimo, o momento mais prolífico da criação artística mundial está ali, diante de seus olhos.

Sem preocupar-se com datas ou qualquer fato histórico, Woody Allen faz um ensaio bastante suave, mas também incisivo, sobre a eterna instatisfação humana. O que nós chamamos de evolução pode somente significar que jamais estaremos satisfeitos? Sempre querendo mais?

Lembrando a frase dita por Tyler Durden em O clube da luta (fight club): "Você nunca terá o suficiente daquilo que não precisa".

Para nossa sorte, todos os anos surge um novo filme de Woody Allen para nos lembrar disso.

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