6 de maio de 2012

A SEPARAÇÃO



Todos aqueles que assistiram, recomendaram rasgando elogios. A Separação (jodaeiye Nader az Simin) parecia mesmo ser o grande filme de 2011, o qual, nós brasileiros, tivemos acesso apenas neste ano. Vencedor do Urso de Ouro, Globo de Ouro, Oscar de filme estrangeiro além de uma semana prodigiosa na lista dos dez filmes mais assistidos em pleno solo norte-americano. Pois bem; feitos extraordinários do cinema iraniano.

Um fato, no entanto, me deixou curioso.

Em 2007, Onde os Fracos Não têm Vez (no country for old men) tornara-se o tema das rodas de discussão. Todo mundo gostou. Muita gente não sabia ao menos o por quê, o que é compreensível. A complexidade dos personagens e dos significados narrativos resulta em interpretações muito diferenciadas. O debate em torno da obra dos irmãos Coen é praticamente infinito. Daí sua qualidade. Os comentários sobre A Separação, por outro lado, eram acompanhados de uma frase recorrente: o filme é ótimo e tem uma sacada genial. Essa sacada genial, a princípio, parecia ser a origem de sua qualidade.

Pode uma obra sustentar-se por uma única sacada genial? Imaginei de imediato O Sexto Sentido (the sixth sense). Funcionou, poderia funcionar novamente.

Minha curiosidade cresceu quando li uma coluna na Folha de S. Paulo, cujo autor infelizmente não me recordo o nome, que criticava de forma negativa uma determinada sequência manipulada pelo diretor. Sequência esta que daria origem à suposta sacada genial.

O contraste é positivo. Ele indica, ao menos, que este detalhe foi sentido. Seja de forma boa ou ruim.

Talvez seja um risco de minha parte fazer a seguinte afirmação, mas como este blog tem o intuito de ser mais pessoal e menos didático, sigo em frente.

A sacada realmente existe. Ela está lá, bastante clara e direta. O que o diretor faz é conciliar dois artifícios simples: uma pista falsa e uma ausência de informação. Somados, estes dois conceitos (neste caso específico) anulam a sequência citada e criam, futuramente, a adorada surpresa. Não há onisciência, apenas pontos de vista expressos sem a utilização da linguagem subjetiva. O recurso é repetido por diversas vezes. Talvez este seja o fato que tenha incomodado o crítico da Folha de S. Paulo.

Agora vem o comentário: e daí?

No meu modo de entender, este recurso funciona para a narrativa em questão, mas além de estar longe de representar uma novidade, está também distante do ponto principal.

Não levem este comentário a mal. Eu achei o filme muito bom, mas entendo que esta sacada não é genial e chega a ser, sob determinados aspectos, praticamente irrelevante.

A engenhosidade do roteiro admite seu uso, mas acho curioso que este detalhe tenha se tornado o foco para tanta gente.

A história é simples: um homem (Nader) está em vias de se divorciar por sua esposa querer abandonar o Irã para viver na Europa. Inicia-se a batalha pela guarda da filha de 11 anos que, a princípio, fica com o pai por uma razão bastante óbvia: sua mãe não irá a lugar algum sem ela. Morando com o pai ela mantêm, ao menos, todos no mesmo país. Nader precisa contratar uma pessoa para cuidar de seu pai, que sofre de Alzheimer, enquanto ele trabalha e a filha está na escola. A moça contratada (Razieh) comete um erro grave que resulta na fúria de Nader. Em meio à discussão, ocorre um fato que leva as famílias dos dois aos tribunais.

A situação do Irã é descrita de forma bastante minuciosa e detalhista: a questão religiosa, social, política, o andamento da justiça e a maneira como casos e acusações são abordados, diante da classe média e da classe baixa acompanhadas das nuances observadas. A hierarquia familiar, o conceito da mentira diante da fé, da opressão, dos princípios pessoais. Na verdade, A Separação é um ensaio bastante severo sobre a humanidade e o abalamento de suas convicções diante das regras ao seu redor. Como conflitos externos podem decidir o rumo de um relacionamento. Bem disse quem escreveu: “trata-se de um tema que deixaria Kafka muito à vontade”.

Recentemente eu escutei uma frase bastante interessante: “O conto vence por nocaute, o romance vence por pontos”.

O conto tem pouco tempo, pouco espaço e às vezes pouca atenção. É necessário algo de extraordinário que cause um impacto forte e direto no leitor.

No romance, o tempo se estende, é praticamente inexistente. Sua qualidade não está em um final esplendoroso, mas na maneira como seus personagens e suas situações se desenvolvem e intrigam: há algo debaixo desta camada, o quê seria? É como dizer que Moby Dick simboliza a força que não pode ser parada indo ao encontro do objeto que não pode ser movido. Um artifício cósmico. Um artifício infinito.

Algumas sacadas são realmente geniais. A meu ver, no entanto, genial não é ser lembrado por um pequeno trecho, mas pelo todo. Por isso A Separação é um grande filme.



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