10 de maio de 2012

AMOR SEM ESCALAS


Ryan Bingham (George Clooney) tem um trabalho atípico: é contratado por empresas para demitir seus funcionários. Ele é um intermediário, uma pessoa que evita problemas que seriam endereçados aos chefes ou a outros colegas de trabalho. Na verdade, é uma espécie de segurança para essas empresas. Como diz a frase inicial: “Quando demitidas, pessoas são capazes de cometer os piores atos de loucura”. Bingham atravessa o país cumprindo sua função. Evita vínculos pessoais e procura passar a maior parte de sua vida longe de casa, justamente para abster-se contatos ou estender relacionamentos. Sua única meta, seu único objetivo, é chegar à incrível marca de 10 milhões de milhas voadas. O prêmio pelo prêmio, nada mais.

Esta é a espinha dorsal de Amor Sem Escalas (up in the air).

Outro dia escutei uma crítica bastante negativa (e incorreta) sobre o filme. Sem nenhuma razão lógica, decidi refletir um pouco sobre seu verdadeiro significado. E não existe forma melhor de falar consigo mesmo que organizando suas idéias em um texto.

Bingham é um homem que, obsessivamente, procura o controle total de sua vida. Suas palavras, suas ações, suas refeições; cada um de seus movimentos é premeditado. Como se ele estivesse a estudar sua própria existência da maneira mais racional possível.

Curiosamente, seu trabalho é um conflito interno, ainda que inconsciente: ele demite pessoas. Ou seja, ele vive de desestabilizar vidas. De desorganizar rotinas. De destruir sonhos. Ele tira de outros o controle de suas vidas. Uma contradição irônica, mas que vai se mostrar bastante pertinente no futuro.

Em uma de suas muitas viagens, conhece Alex Goran (Vera Farmiga). A princípio tudo não passa de uma noite de sexo casual, mas ele sente-se emocionalmente ligado a ela. Há uma sintonia diferenciada. Dentro de suas rotinas (ela é aeromoça e também passa a maior parte do tempo viajando) os dois encontram-se periodicamente, entre escalas. Daí o título do filme em português. Uma tradução incorreta, mas bastante coerente com a proposta.

Subitamente, ele vê-se apaixonado. Decide correr um risco em sua vida regrada e controlada: é hora de iniciar um relacionamento. Ruma até a casa de Alex para lhe fazer uma surpresa. É quando descobre que ela é casada e tem filhos.

Este golpe impactante não se resume apenas a uma decepção amorosa. Ele vai além.

Este é o momento onde Bingham percebe que o controle que ele supunha ter é, na verdade, uma ilusão. Uma ilusão que nós, humanos, costumamos alimentar.

Não existe controle. O que existe é uma realidade aleatória que simplesmente ocorre independente de nossos planos.

O momento em que ele decide entrar em um relacionamento deveria ser um momento de reflexão. Não existe opção. Nós não decidimos iniciar um relacionamento. Ele inicia-se internamente, além de nosso controle. Nós podemos, obviamente, decidir não levá-lo adiante. Mas deixaríamos uma parte de nós mesmos no caminho. Pois o sentimento mora em nossa alma, não no contato físico.

Esta decepção, no entanto, transforma a vida do protagonista.

Ao término, ele está sentado em um avião quando descobre, por uma mensagem do piloto, que chegou à tão sonhada marca de 10 milhões de milhas. O piloto sai da cabine, senta-se ao seu lado e pergunta como ele se sente. Ryan responde: “eu tinha um discurso pronto para este dia. Infelizmente não me recordo”.

Pela primeira vez, o homem que antecipava os movimentos sentiu a enormidade de seu vazio. Não resta nada a dizer.

Ao contrário do romance clássico que narra a história de um homem (mulher) que vive uma decepção amorosa e perde a fé, mas futuramente volta a se arriscar, Clooney não interpreta o herói do coração partido. Ele segue o rumo contrário. Sua vida o leva à decepção pois é sinônimo de solidão. A verdadeira felicidade é a felicidade compartilhada, frase marcante de Na Natureza Selvagem (into the wild). O romântico enfrenta a dor da perda para seguir em frente, pois a vida sem amor, a vida sem riscos, não vale a pena.

Sua covardia abre um abismo debaixo dos seus pés. Ele recua.

Ao final, surgem algumas imagens de funcionários demitidos citando alguns aspectos positivos de seu estado atual. A vida continua.

Bingham, diante de sua racionalidade, talvez esteja condenado.

Algum grande escritor, cujo nome não me recordo, disse a seguinte frase: “O louco não é aquele que perdeu a razão. O louco é aquele para o qual sobrou somente a razão”.

Talvez este seja o tema, afinal.


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