22 de março de 2012

OS DESCENDENTES



Havaí. O quê surge em sua mente ao ler esta palavra? Um sol morno, quente, relaxante, refletido pelos finos e brancos grãos de areia e pelo mar translúcido dobrando-se aos pés dos surfistas de plantão. Quiosques, piña-coladas ao entardecer, garotas dançando hulas ao redor das fogueira em brasas. É. Talvez para quem planeja visitar um cartão-postal, parece uma imagem adequada. Como é o Cristo de braços abertos sobre a cidade maravilhosa, ou as nuances de marrom e vermelho no Grande Cânion.

Sobre este pedaço de paraíso, no entanto, padecem os mesmos seres humanos que vemos por aqui. Pessoas como eu e você. Atendentes de pet-shops tosando poodles barulhentos, caixas de supermercados que gritam por gerentes para que cancelem algum item passado por engano, manobristas encaixando carros em espaços milimétricos. Enfim. Bem-vindo ao Havaí.

O diretor Alexander Payne segue um caminho semelhante a Sideways – entre umas e outras (sideways), onde utiliza o cenário para refletir as inseguranças e a beleza de seus personagens.

Matt King, interpretado de forma que somente George Clooney seria capaz, é um endinheirado advogado. Pai ausente, marido desinteressado. Um clichê ambulante. Vive, no entanto, um momento delicado de sua vida: precisa decidir para quem vender os 35 mil acres restantes de terras virgens de uma das ilhas, pertencentes à sua família desde o século XIX e passados de geração para geração. Esta venda, que estende-se há anos, está muito próxima de ser concluída. Em paralelo, sua esposa sofre um grave acidente de barco e entra em coma profundo. King vê-se diante de sua filha de 10 anos, a qual lhe parece uma total estranha. A situação se agrava quando os médicos dizem não haver mais nada a ser feito por sua esposa. Praticante de esportes radicais, ela havia deixado um documento pedindo a doação de seus órgãos e o desligamento dos aparelhos caso sofresse um acidente e fosse mantida viva por aparelhos, como um vegetal. Desnorteado, ele decide buscar sua filha de dezessete anos que está estudando em uma instituição especial para adolescentes recorrentes em problemas com drogas e álcool.

Família reunida, é hora de avisar familiares distantes e amigos, um a um, para que tenham a oportunidade de se despedir. É quando King descobre que sua esposa tem um amante. Mais do que isso: que estava disposta a pedir o divórcio pouco antes do acidente. O homem arrependido, perdido em juras de amor recitadas para o vazio, abre espaço para o homem amargurado e ressentido. Remoído em auto-piedade.

Enlouquecido, decide procurar e conversar com o citado amante, no intuito de dar-lhe a chance de se despedir. A complexidade de suas a ações revelam um homem de uma bondade inquestionável, que deixa aflorar o que há de melhor em si e seguir em frente. Não começar do zero, mas tentar reconstruir o que ruiu nos anos que passaram.

A questão que o realizador põe em xeque é bastante simples: como decidir algo de forma racional? Sim. Somos animais racionais. Mas acima de tudo, somos animais passionais. Tudo o que decidimos, todas as atitudes que tomamos ao longo de nossas vidas, reflete nossos desejos, nossos medos, nossos pequenos momentos de felicidade.

Como bem disse o mestre Oogway de Kung-fu Panda (idem): “Às vezes encontramos nosso destino tomando um caminho para evitá-lo”. E é isso que acontece a King. Teria ele tomado a decisão certa? Talvez se vivêssemos em um mundo onde não fosse tudo dividido entre o certo e o errado, as coisas pudessem ser melhores e mais claras.

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