16 de março de 2012

O ARTISTA



Retroceder na era da tecnologia é o mesmo que assinar um atestado de suicídio a curto prazo. Imagine sua vida sem celular e internet, apenas para citar o que há de mais básico nos dias de hoje.

Esta é a proposta que nos apresenta O artista (the artist), grande vencedor do Oscar 2012. Voltamos à era do cinema preto e branco, do cinema mudo. Mudo, mas não surdo, já que suas imagens vêm acompanhada da trilha sonora de Ludovic Bource que presta uma belíssima homenagem a diversos outros temas, todos clássicos dos primórdios da sétima arte.

O diretor Michel Hazanavicius apresenta uma linguagem desconhecida para toda uma geração que nem mesmo consegue trabalhar sem escutar música, ou sem comunicar-se por diversos aparatos tecnológicos. Uma geração acostumada a ter tudo entregue em mãos, dissecado e descrito da forma mais simples e direta possível. Deste ponto de vista, O artista é um interessante exercício de observação e dedução, que se torna mais agradável com o passar dos minutos. Aqui, é necessário interpretar as reações, os sorrisos, os olhares, os movimentos. A dupla de protagonistas está à altura do desafio. Na verdade, o resultado seria catastrófico se não estivesse.

Assim como em Cantando na chuva (singin` in the rain) e Crepúsculo dos Deuses (sunset blvd.), a trama, como se resume a própria história da humanidade, nos apresenta o dilema sobre a adaptação, palavra que há muito substituiu o que antes costumávamos chamar de evolução. George Valentin (Jean Dujardin) é um ícone do cinema. Um galã à moda antiga. Talentoso, versátil, expressivo e dono de uma beleza capaz de levar as fãs à loucura. Suas fotos são capazes de roubar, inclusive, as próprias críticas a respeito dos filmes que protagoniza. Em paralelo à sua vida de luxo e glamour, Valentin não percebe a chegada do som e de como a novidade atrai multidões, pouco interessada em conteúdo, querendo apenas saborear a novidade. Cético, resolve investir seu próprio dinheiro em um projeto pessoal. O resultado é um fracasso e o resto de seus bens se esvai com o crack da bola em 1929. Falido e esquecido, entrega-se às bebidas e é ajudado, sem saber disso, pela mais nova musa do cinema. Peppy Miller (Bérénice Bejo) não apenas sente-se grata por ele ter, em um passado próximo, alavancado sua carreira, como retém em si uma paixão incontrolável.

Seguem-se reviravoltas, descobertas, desilusão. Enfim, uma estrutura narrativa com todos os altos e baixos necessários. O fator mais curioso, é que sua conclusão é o resultado de uma tendência que é sucesso até os dias de hoje. A redenção não vem apenas do esforço e da ajuda, mas da criatividade e da reestruturação pessoal.

Poderíamos passar horas e mais horas nos deliciando com as referêcias e exaltando a bela homenagem que a obra de fato representa. Mas neste instante, procuro levantar um ponto. O artista limita-se apenas a ser uma homenagem ao cinema mudo (a todo ele) ou procura ir além? Existe aqui a ousadia de comprovar que há na arte moderna a capacidade de esvair-se de toda a tecnologia e mesmo assim triunfar? À beira do mundo imerso na terceira dimensão, poderíamos nós abdicar de todos os recursos e prevalecer apenas com o mínimo de alternativas? Contando apenas com a sagacidade, a genialidade e, principalmente, a simplicidade?

Difícil saber. Dificilmente o próprio realizador prestaria-se a responder esta pergunta. Não existe em O artista o ritmo de um Eisenstein, nem o clima fantástico de um Murnau, nem o extraordinário de Carlitos/Chaplin. Verdade. Mas eu acredito que, independente da resposta, é um filme que merece ser visto. Mesmo que seja apenas para associá-lo a um momento em que o ápice de uma arte culminava para abrir espaço a outra. Como sempre foi e sempre será.

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