2 de março de 2012

MONEYBALL



Billy Beane está sentado em meio à arquibancada do Oakland A`s. Os holofotes estão apagados e somente um leve facho de luz branca ilumina parte do cenário. Beane está sozinho, cercado por cinquenta mil assentos vazios. Em um dos corredores, um funcionário do turno da noite assiste ao jogo em uma velha televisão portátil, semelhante às que vemos com frequência nas guaritas dos porteiros.

O Oakland perde uma partida decisiva em meio aos playoffs. A feição de Beane resume tudo o que precisamos saber. É necessário um nível de habilidade incomum para dizer tanto mostrando tão pouco. Em meio a inserts de imagens reais da partida, a introdução nos lembra a velha lição deixada pelo gênio Hitchcock: atenha-se ao que realmente importa em uma história. Não perca o foco em busca de belas imagens. Se a situação está por demasiado complicada, volte umas etapas e resolva da forma mais simples possível.


Bennett Miller aprendeu essa lição. Com louvor, diga-se de passagem. Veja só o quanto sabemos, com tão pouco. Aliás, tudo é feito de forma cirúrgica. O espectador não percebe que já sabe tudo o que precisa: Beane trabalha no Oakland. Está à vontade, logo, é alguém do alto escalão. Tão alto, que pode se dar ao luxo de nem mesmo acompanhar as partidas. Mas ele sofre. Mais do que qualquer outro, o que demonstra um comprometimento que pode fugir à razão. É a paixão inexplicável ao esporte. Mas a análise vai além. Beane está só. Perdido em meio às cadeiras vazias. É uma alma solitária. Mais do que isso: alguém que abandonou e foi abandonado. Uma voz calada que nem mesmo ecoa no vazio. É necessário que se explique que Billy Beane existe. Não é apenas um personagem criado para uma ficção. Beane é o general manager do Oakland A`s, uma tradução livre para “gerente geral”. Seria algo semelhante, em linguagem compreensível para quem não é fã de baseball, um diretor de futebol. Alguém responsável pela decisão final em determinado departamento. No caso: a contratação de jogadores.


Não é a primeira vez que Miller depara-se com uma história real. Seu filme anterior, Capote (idem), narrava um momento específico da vida do escritor Truman Capote. É claro que estamos falando de personalidades bem diferentes. Capote foi quase um pop star da literatura norte americana durante anos. Principalmente após seu livro Breakfast at Tiffany`s ser adaptado ao cinema  (em português recebeu o título de Bonequinha de Luxo) e tornar-se um sucesso estrondoso. Capote aparecia com frequência na televisão e nos jornais. Extrovertido, bem relacionado, em nada se compara com Beane. São preparações diferentes, métodos opostos por parte dos atores.

Philip Seymour Hoffman precisou imitar os trejeitos do escritor. Sua voz, seus tiques. Um trabalho de disciplina e paciência. Brad Pitt, brilhante no papel de Beane, procurou criar uma personalidade de dentro para fora. E o trabalho pode ser comparado ao próprio drama do personagem, que vive um relacionamento de conflito com seus príncipios pessoais. Ainda jovem, dias após ser aceito na universidade de Stanford, Beane foi procurado por olheiros do New York Mets. Era tido como uma grande promessa. Fracassou, como tantos outros. Seguiu em frente. Saiu do campo e foi para a administração do Oakland A`s, time que se aposentou como jogador. Para Beane, a realidade do esporte está estagnada.


A mentalidade daqueles que um dia viram nele o talento de um grande jogador foi passada de geração para geração. E hoje ele trabalha com pessoas que seguem o mesmo método que jamais previu o enorme fracasso que ele próprio seria. E ainda hoje, é neles que ele deve confiar. A situação torna-se ainda mais delicada quando as três grandes revelações de seu clube são vendidas e ele vê-se diante de um orçamento mínimo para montar uma equipe competitiva. É quando ele conhece Peter Brand. Interpretado de maneira surpreendente pelo comediante juvenil Jonah Hill, Brand é a figura que representa o oposto de tudo o que acreditam os homens dedicados ao esporte.

É aquele que não apenas apresenta diferentes respostas, mas também procura diferentes perguntas: “Nós estamos fazendo as perguntas erradas”. Beane tem um estalo. Uma nova perspectiva. Um avalanche cerebral posiciona-se para um local onde ele não conhece, mas que sempre esteve lá, apenas aguardando. Seria possível quebrar o maior dos dogmas? O romantismo do baseball? Seria possível montar uma equipe baseada em números, estatísticas e cruzamento de informações? Deixar de lado a análise visual, o palpite e a intuição? Parece um caminho contrário ao do ser humano, um caminho em direção à máquina. E aqui, surge o talento máximo de Miller e que poucos críticos souberam enxergá-lo: o realizador é de uma humanidade rara.

Não existe nada mais autômato que ficar preso em seus próprios vícios.A humanidade transborda. Os homens não temem a morte do romantismo, temem o futuro de seus empregos. Se esta for a nova fórmula, onde estarão eles daqui alguns anos? Em paralelo, um pouco do que é discutido em O artista (the artist): o que será daquelas que não se adaptarem aos novos tempos? Beane, em seu íntimo, também tem seus medos: “Meu ódio quando eu perco é maior que minha felicidade quando eu ganho”. Mas ele é o homem que faz acontecer e que mantém-se fiel à sua lógica. À princípio, a fórmula é um grande fracasso. Com o tempo, no entanto, os resultados aparecem.


O Oakland bate o recorde de vitórias consecutivas e chega, com um investimento pelo menos seis vezes menor que o de seus adversários, aos playoffs. Onde perde, novamente. Beane está inconsolável. Teria sido tudo em vão? Eis que surge Brand, para lhe mostrar uma jogada que ele gravou algumas semanas atrás. No vídeo, um jogador obeso, eu diria, prepara-se para rebater. Nunca em sua carreiar ele tentou correr até a segunda base, mas nesse dia as coisas serão diferentes. Ele rebate e corre. Pisa na primeira base e ao deslocar o corpo para iniciar a corrida para a segunda base cai e rola sobre a areia.
Como diz o próprio Brand: “Seus piores pesadelos tornam-se realidade”.


Ele arrasta-se e consegue voltar para a primeira base. Eis que um segundo jogador se aproxima, com um grande sorriso no rosto, e pede para que ele se levante e siga em frente. A bola foi rebatida para a arquibancada, ele conseguiu um home run. O jogador estava tão ansioso devido ao medo da corrida para a segunda base, que não percebeu que já havia feito o ponto antes mesmo de começar a correr. Às vezes, só temos uma noção exata da dimensão do que fizemos algum tempo depois.

Eis que, no final das contas, o romantismo está onde sempre esteve: dentro do campo. Beane segue em frente no Oakland. Como diz a própria legenda final: “Até hoje ele espera pela última vitória”.

Talvez Beane, sentado sozinho em meio a um estádio vazio, seja a imagem perfeita para definir que alguma pessoas sempre serão solitárias. Que talvez seu objetivo seja outro, incompreensível para os demais.


Na última sequência, Beane está sentado em seu carro, escutando uma canção que sua filha compôs. Põe-se a chorar. Existe algo além do baseball, afinal.

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