20 de julho de 2012

PARIS, TEXAS


Existe algo de comunicativo na pornografia.

Os garotos que procuram tomos da revista Playboy no fundo das gavetas de seus pais ou que pedem para os irmãos mais velhos alugarem vídeos eróticos estão procurando um elo entre gerações. Uma espécie de rito de passagem. A criança iniciando a caminhada para a vida adulta. A adolescência, em termos simples.

Quando eu era moleque, fazia fichas em videolocadoras distantes da minha casa para não correr riscos de encontrar conhecidos. Passava horas na sessão dos filmes de terror (bem ao lado da sala privada que continha o objeto de desejo) e quando o local estava vazio, pegava uma fita qualquer. Passava pelo balcão sem olhar para o atendente. Se fosse uma mulher, aliás, ia embora sem levar nada. Carregava o filme para casa embrulhado em um saco de padaria e fazia uma cópia, de um videocassete para outro. Era uma aventura. Depois, eu e meus amigos compartilhávamos nossas preciosidades.

Hoje, com a internet, tudo ficou mais fácil.

Todo adolescente procura pornografia. Ser jovem não é nada fácil. E é um desejo inato do ser humano. O sexo fará parte da vida de todos.

A violência não.

A morbidez não é uma necessidade fisiológica. A procura pela morte, acidentes ou notícias chocantes mais me parece uma doença da sociedade moderna. Dizem que o ser humano é violento por natureza, mas basta estudar a estrutura matrilinear, muito anterior à idéia de civilização que temos nos dias de hoje, para saber que tudo não passa de pura especulação.

Mas a violência está entre nós e tornou-se uma obsessão, uma perversão, melhor dizendo. Filmes como Jogos Mortais (Saw) tem censuras mais liberais que filmes pornográficos. Implicitamente, queremos dizer que desfrutar de atos de violência descabida não é tão prejudicial quanto assistir a um casal transando.

Honestamente, o sexo, por mais banalizado que tenha se tornado, nunca será tão doentio quanto uma tortura, por exemplo.

Indiferente a isso, a mídia mistifica a violência, transforma fatos isolados em rotina, dramatiza o sofrimento alheio e vende morte como produto.

Bem vindo ao mundo snuff.

Nestes momentos de reflexão eu percebo como o cinema é uma forma de comunicação poderosa.

Ao assistir uma obra como Paris, Texas (idem) fica fácil perceber como tudo o que há de supérfluo se desfaz e o mundo adquire uma feição especial. Como se houvesse um espaço reservado para cada obra-prima.

E existe algo de sublime neste afresco de Wim Wenders.

Não há uma estrutura comum ao tradicional. Existe este homem, interpretado de forma quase lírica por Harry Dean Stanton, que surge, em meio ao nada, e sua presença cria um conflito com o mundo comum. Deslocado, curiosamente tudo o que ele procura é voltar a fazer parte deste universo. Deste quadro que, por alguma razão, ele deixou para trás e hoje percebe que nele está o que há de melhor em si.

A pureza está no aspecto da bondade. Travis (Harry) reencontra seu irmão, Walt, que o tinha como morto, pois ele estava desaparecido há quatro anos. Walt adotou seu sobrinho, filho de Travis, quando este o abandonou ainda criança. Quando Walt percebe que Travis pode querer reconquistar seu filho, ele nada faz para impedi-lo. Pode parecer injusto. Ele cuidou do garoto quando este nem mesmo tinha notícias de seu pai e o criou como se fosse um filho seu. Mas Travis busca sua redenção e o fato de não haver um conflito inerente cria uma beleza particular ao enredo.

Existe algo de ruim no passado. Uma sucessão de fatos, uma coincidência de ações, um mau alinhamento dos planetas, que levou estas pessoas a estarem onde estão hoje. Mas o passado está enterrado. Estamos no presente e este homem será tão honesto em suas ações, ele fará tudo de uma maneira tão correta que os dicionários poderiam usar seu rumo para simplificar o verdadeiro significado da palavra redenção. Mesmo os que buscam conflitos, os que tendem a achar que está tudo fácil demais, ficariam incomodados se algo de errado ocorresse em sua missão.

Travis é o modelo que deveria ser exemplo a uma sociedade moderna. Um verdadeiro herói. E todos à sua volta, com toda sua simplicidade, seriam seus complementos essenciais.

O mundo pode parecer um lugar estranho por vezes, mas filmes como Paris, Texas me fazem acreditar que a opinião simplesmente não é unânime.


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